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Violência Obstétrica: Como advogados podem amparar vítimas e buscar justiça

A recente suspensão do registro profissional de uma médica obstetra e influenciada digital, com uma vasta base de seguidores, pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, lança luz sobre uma grave e recorrente violação dos direitos das mulheres: a violência obstétrica. As denúncias de diversos pacientes, alegando terem sofrido tratamento desrespeitoso e abusivo durante o parto conduzido por esse profissional, escancaram uma realidade que exige atenção e atuação diligente dos profissionais de direito.

Se você, advogado(a), for procurado por uma mulher que vivenciou violência obstétrica, é crucial estar preparado para conduzir o caso com a sensibilidade e a perícia necessária.

O Que Caracteriza a Violência Obstétrica?

A violência obstétrica é reconhecida como uma violação dos direitos das mulheres grávidas durante o processo de parto. Ela se manifesta pela apropriação do corpo e dos processos reprodutivos femininos por profissionais de saúde, através de tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização de eventos naturais do parto. A perda da autonomia e da capacidade de decisão sobre o próprio corpo são marcas dessa violência.

Responsabilidade Civil Médica: Uma Obrigação de Meio

Nos casos de violência obstétrica, a responsabilidade civil médica é geralmente considerada como obrigação de meio . Isso significa que o profissional de saúde deve empregar todos os recursos e técnicas disponíveis e adequadas para o bom atendimento do paciente, seguindo os protocolos e as boas práticas da medicina. A negligência, a imperícia ou a imprudência que resultem em dano ao paciente podem gerar responsabilidade civil. Essa responsabilidade pode ocorrer no pré-natal, durante o parto e no pós-parto.

Exemplos de Condutas que Caracterizam Violência Obstétrica:

  • Manobra de Kristeller (pressão sobre a barriga da mulher para acelerar a produção do bebê).
  • Episiotomia (corte no períneo) realizada de forma rotineira e sem indicação clara.
  • Agressões verbais, humilhações e comentários desrespeitosos.
  • Falha não deve ser fornecida informação clara e completa sobre os procedimentos.
  • Tratamento rude e desumanizado.
  • Abuso de intervenções médicas sem necessidade clínica.

A Perspectiva de Gênero e a Comprovação da Conduta Abusiva

A análise desses casos deve sempre considerar a perspectiva de gênero, conforme a Resolução nº 132/21 do CNJ. Para comprovar a conduta abusiva do profissional, são indispensáveis ​​elementos probatórios como:

  • Prontuário médico: Documento crucial para analisar os procedimentos realizados e as justificativas clínicas.
  • Perícia médica: Avaliação técnica para verificar a conformidade da conduta do profissional.
  • Prova testemunhal: Relatos da vítima, de familiares e de outros profissionais presentes.

A comprovação do nexo causal entre a conduta do profissional e os danos sofridos pelo paciente (danos morais e materiais) é fundamental para a indenização. Em casos mais graves, como óbito da mãe ou do bebê ou situações de invalidez permanente, pode ser cabível também uma pensão.

Fundação Legal Abrangente

A defesa das vítimas de violência obstétrica deve se basear em um arcabouço legal robusto, que inclui:

  • Constituição Federal: Que garante o direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e veda tratamentos desumanos ou degradantes.
  • Código Civil: Que trata da responsabilidade civil e das peças de danos.
  • Código de Defesa do Consumidor (CDC): Aplicável à relação entre paciente e profissional/instituição de saúde, prevendo a responsabilidade objetiva em alguns casos e o direito à informação clara e adequada.
  • Código de Ética Médica: Que estabelece os deveres e as responsabilidades dos médicos.
  • Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW): Em seu artigo 12 e em suas recomendações gerais, a CEDAW determina a necessidade de serviços adequados às mulheres no parto e pós-parto e estabelece que práticas de maus-tratos em serviços de saúde reprodutiva constituem tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante.
  • Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar A Violência Contra A Mulher (Convenção de Belém do Pará): Que condena todas as formas de violência contra a mulher.

Violência Obstétrica no SUS

Em casos de violência obstétrica ocorrida no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), é importante considerar o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, que trata da responsabilidade objetivamente da prestadora de serviços públicos. Além disso, o § 7º do artigo 226 da CF/88 e a Lei nº 9.263/96, que dispõem sobre o direito da mulher ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, parto e puerpério, são instrumentos legais relevantes.

Se você foi vítima de violência obstétrica:

É fundamental que mulheres que vivenciaram a violência obstétrica busquem o amparo de um profissional especializado em direito da saúde. A busca pela justiça e a responsabilização dos profissionais e instituições envolvidas são passos importantes para a reposição de danos e para a prevenção de futuros casos.

A luta contra a violência obstétrica é uma questão de direitos humanos e de respeito à dignidade das mulheres. Como advogados, temos o papel crucial de oferecer suporte jurídico e buscar a justiça para as vítimas, contribuindo para um sistema de saúde mais humanizado e respeitoso.

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